1 de março de 2010

Anunciar no Jornal Nacional ou em realidade aumentada?

Agências de publicidade precisam encarar o conflito de gerações que estamos passando. A realidade virtual hoje é real, acabou a diferença entre online e offline, tudo se completa e caminha para a realidade aumentada

 

A realidade virtual pode ser definida como a interface que permite a interação do elemento humano com ambientes ou elementos gerados por computador através de sensores, monitores, óculos e outros dispositivos de entrada e saída de dados.

Em 1982, tudo isso era uma ideia pouquíssimo difundida. Naqueles tempos, filmes gringos demoravam anos para desembarcar em terras tupiniquins, então imagino que deveria ter uns sete ou oito anos de idade quando assisti Tron pela primeira vez.

Quase enlouqueci. Concordo, pelos padrões atuais, a produção é no mínimo risível, com efeitos visuais bem toscos e primitivos, mas, pelo menos para mim, o filme marcou uma importante quebra de paradigma.

Como um bom garoto de oito anos de idade, nunca havia dedicado muito de meu tempo à contemplação da possibilidade da coexistência de múltiplas realidades. Até porque, naquela época, discussões como estas estariam restritas a círculos religiosos ou filosóficos e teriam poucas aplicações práticas.

O tempo passou e, desculpe a redundância, mas a realidade virtual se tornou uma realidade por si só.

Finalmente existia um modo seguro – e relativamente barato – de transportar o ser humano a situações improváveis, impossíveis ou perigosas, que rapidamente ganhou aplicações práticas que vão desde programas de treinamento à medicina, passando, logicamente, pelos inevitáveis games.

Contudo, estava fadada a se restringir a simulações pontuais, uma vez que parte do princípio da inserção do ser humano no ambiente virtual, tendo o próprio ambiente virtual como fator limitante.

Em outras palavras, para usufruir da tecnologia, é necessária toda uma parafernália que transporta alguns ou todos os nossos sentidos para uma plataforma digital.

A realidade virtual não pode nos acompanhar no caminho para o trabalho ou durante um passeio no parque – ou pelo menos não de um jeito que seja conveniente ou prático. Para que isso fosse possível, seria necessário que elementos virtuais invadissem o ambiente real, invertendo a própria lógica da realidade virtual.

Obviamente, os geeks de plantão já pensaram nisso, e sua resposta a este problema chama-se realidade aumentada.

Esta tecnologia utiliza códigos impressos para a projeção de elementos virtuais que interagem com o elemento real. Por exemplo: um programa ou site específico permite que determinado código, quando direcionado a uma webcam, gere animações que interagem com o suporte real – que pode ser qualquer mídia, de papel a azulejos.

Utilizando-se desta tecnologia, pesquisadores na Alemanha desenvolveram uma máscara de mergulho com monitor embutido que permite que o nadador interaja com elementos virtuais, como peixes e vegetação aquática, em uma piscina especialmente preparada com os tais códigos.

Em um futuro próximo, é bem possível que elementos virtuais interajam conosco diariamente para os mais variados fins, do entretenimento à publicidade, dos serviços públicos à educação.

Não é muito difícil imaginar monitores transparentes embutidos em óculos. Ou mesmo lentes de contato com conexão à internet traduzindo códigos e trazendo elementos virtuais para o nosso cotidiano.

A realidade aumentada já é utilizada na publicidade e no entretenimento (ainda que em um estágio embrionário) inclusive no Brasil, mas as possibilidades são tantas que fica difícil imaginar suas aplicações.

Não cabe aqui um exercício de futurologia, mas fica claro que o choque entre realidade virtual e realidade aumentada levanta questões sobre a percepção da própria realidade pelas gerações pré e pós internet.

Qual o limite da realidade? Existe um limite? O que enxergamos como “mundo virtual” é realmente separado da realidade? Estas questões metafísicas são hoje extremamente relevantes para o mundo da comunicação.

Para seres humanos que nasceram em um mundo com apenas uma realidade perceptível (pelo menos por aqueles que não possuem poderes extra-sensoriais) é mais que natural classificar uma experiência virtual – seja navegar na internet, jogar videogames ou participar de comunidades – como separada do mundo dito real, com fronteiras claras e imóveis.

Esta fronteira tende a tornar-se mais difusa entre a Geração Y, muito mais à vontade com o mundo dito virtual. Atividades, diálogos, amizades e mesmo amores transitam quase sem resistência de um meio para o outro.

Com a quebra da fronteira que a realidade nos impõe, o internauta torna-se livre para cultivar relacionamentos e viver experiências que de outra forma lhe seriam negadas – experiências estas que se tornam parte de seu cotidiano, e que têm a mesma relevância de experiências “reais”.

Mito nas agências

Tradicionalmente, clientes contratam agências de propaganda de acordo com sua especialidade – esta fica com a verba online, aquela outra se responsabiliza pelas atividades offline.

Isto acontece porque, em grande parte, ainda existe o mito de que o consumidor adota atitudes diversas no meio “virtual” e no meio “real”, ou de que o consumidor online é diferente do consumidor offline.

Este argumento pode até ser válido para pessoas nascidas até a Geração X, da qual faço parte. Mas o que dizer da Geração Y, que desde muito cedo convive com a internet, participa de redes sociais e incorpora o universo online em sua vida como um todo?

Para este consumidor, o “virtual” é tão presente quanto o “real”. Como é exatamente este consumidor que irá ditar as tendências de consumo nas próximas décadas? Este tipo de divisão de verba simplesmente não faz sentido.

É claro que este novo consumidor também compra offline, mas seu processo de decisão está mais fortemente arraigado na internet.

A sobrevivência das agências de comunicação passa pela aceitação do questionamento da fronteira da realidade proposta pela realidade aumentada e de seus desdobramentos.

Já faz tempo que anunciar no horário nobre da televisão não é o suficiente.

O internauta da Geração Y não está disposto a aceitar a versão do noticiário das oito ou a acreditar em comerciais de trinta segundos. Ele irá procurar opiniões e impressões de seus pares e muitas vezes gerar seu próprio conteúdo, que por sua vez pode influenciar o processo de decisão de outros internautas.

Neste processo, as empresas perdem o monopólio sobre a comunicação de suas próprias marcas, mas em compensação ganham milhares ou mesmo milhões de difusores de informação. Dependendo da relação destes difusores com a empresa, eles podem se tornar grandes aliados ou inimigos terríveis.

Exatamente por isto, uma imagem favorável na internet já tem, hoje, poder de vida e morte para muitas empresas.

Clientes e agências continuarão a tropeçar em suas estratégias de comunicação enquanto não entenderem que não existe um muro entre o mundo real e o mudo virtual.

E enquanto não aceitarem o questionamento proposto pela realidade aumentada como combustível para a busca e aperfeiçoamento das práticas de comunicação que garantirão a sobrevivência de todos.

 

Artigo de Por Pablo Caldas

 

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